© Foto : Valter Campanato/Agência Brasil |
No dia 1º de novembro o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) afirmou que cumpriria sua promessa de campanha de mudar a embaixada brasileira em Israel. A mudança para Jerusalém divide opiniões. Para discutir a questão, a Sputnik Brasil ouviu especialistas da comunidade judaica e árabe sobre a nova postura brasileira e suas possíveis consequências.
Na terça-feira (27), um dos filhos de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, confirmou novamente que o governo de seu pai tem a intenção de mudar a embaixada. A confirmação se deu após um encontro do deputado com Jared Kushner, um dos principais articuladores da política para o Oriente Médio no governo do presidente norte-americano, Donald Trump.
Jair Bolsonaro declarou sua postura em relação a Israel em sua primeira entrevista internacional após o resultado das eleições, em conversa com o jornal israelense Israel Hayom. À época, ele afirmou que a decisão da capital de um país cabe apenas ao país e que o Brasil acolheria a escolha israelense com a mudança de embaixada. Ele também falou em fechar a embaixada palestina no Brasil.
Jerusalém é uma cidade sagrada para as três maiores religiões monoteístas do mundo, o islamismo, o judaísmo e o cristianismo. A cidade é disputada como capital tanto por Israel quanto pela Palestina.
No entanto, Israel ocupa a cidade desde 1967, quando houve a Guerra dos Seis dias. A ONU considera a ocupação ilegal e até este ano, nenhum país mantinha sua embaixada em Jerusalém de forma a respaldar a decisão da organização. Em 14 de maio os Estados Unidos tornaram-se o primeiro país a mudar sua embaixada para Jerusalém. Desde então, apenas a Guatemala repetiu a medida.
O Brasil seria o terceiro país a mudar sua embaixada para Israel, uma atitude que pode aumentar a tensão regional e abalar a tradição de neutralidade da política externa brasileira em relação ao Oriente Médio.
Para entender as possibilidades que se abrem com esse movimento a Sputnik Brasil conversou com dois especialistas das comunidades árabe e judaica no Brasil.
Como a comunidade judaica recebeu a notícia?
Samuel Feldberg é cientista político formado na Universidade de Tel Aviv e pesquisador de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
Feldberg ressalta que a comunidade judaica está divida em relação ao presidente eleito tanto quanto o resto da sociedade no Brasil, porém, aponta que a medida da mudança da embaixada brasileira em Israel foi bem recebida e é ponto pacífico.
"A comunidade judaica como um todo vê com bons olhos o apoio a Israel, mas tinha uma série de restrições, uma parte da comunidade tinha uma série de restrições em relação a outros posicionamentos do candidato Bolsonaro. E obviamente mantém essa visão mesmo depois de ter sido eleito", afirmou Feldberg, em entrevista à Sputnik Brasil.
"Há aqueles que acreditam que como foi feito pelos Estados Unidos, a mudança se justifica absolutamente. Jerusalém é a capital de Israel e apesar de que, desde a criação do Estado, a cidade está em uma disputa jurídica por causa, no momento, da decisão da ONU, da partilha", continuou.
No dia da entrevista de Bolsonaro ao Israel Hayom confirmando a mudança da embaixada brasileira, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, agradeceu o presidente eleito em inglês e em hebraico no Twitter. Ele afirmou que medida é "histórica e correta".
"Existem aqueles que acreditam que já é o momento de transferir a embaixada para Jerusalém e reconhecer de fato Jerusalém como a capital de Israel e dar o respaldo diplomático para isso e aqueles que acreditam que esse seria um movimento simbólico que geraria uma série de problemas e que, portanto, não faz falta para o Brasil nesse momento — com tantas questões importantes para resolver — fazer esse movimento", explica o professor.
O pesquisador ressalta que há uma "cisão" dentro da comunidade devido às opiniões expressas pelo presidente eleito.
"A comunidade judaica brasileira está dividida desde o período anterior à eleição do Bolsonaro. Durante a campanha já houve uma cisão importante entre aqueles que apoiaram o Bolsonaro e aqueles que, apesar de serem contra o PT ou preferirem uma mudança de governo, não aceitavam as posições de Bolsonaro, principalmente em relação às questões relacionadas com elementos de gênero, de racismo", ressalta Feldberg.
O pesquisador ainda disse que, pessoalmente, como membro da comunidade judaica, não apoia "um candidato à presidência com posições racistas, que se manifesta contra a minoria, que tem posições contra a comunidade gay", mas que essas divergências estão presentes em toda a sociedade brasileira e não influenciam a forma como a comunidade se posiciona em relação à mudança da embaixada.
Como a comunidade árabe recebeu a notícia?
Rasheed Abou-Alsamh é jornalista saudita, mas também tem nacionalidade norte-americana. Especializado na cobertura e discussão sobre os países árabes, ele disse que a comunidade árabe recebeu a notícia da transferência da embaixada brasileira em Israel com "desgosto".
"Receberam essa notícia com muito desgosto, porque a situação jurídica final, o status final da cidade de Jerusalém, não foi decidida ainda. E todo mundo sabe que a ONU, as Nações Unidas, já passaram várias resoluções falando que isso teria que ser parte de um acordo entre os palestinos e os israelenses para ver o que vai acontecer com Jerusalém", disse Abou-Alsahm em entrevista à Sputnik Brasil.
A maioria dos países árabes vizinhos a Israel têm relações tensas com o país. Países como Egito, Iraque, Palestina, Iêmen, Jordânia e Líbano já tiveram conflitos abertos com o Estado de Israel, criado em 1947 pela ONU.
Para Rasheed Abou-Alsamh, no entanto, o desejo dos árabes é de que a cidade seja aberta para os povos que a consideram sagrada.
"Na melhor das hipóteses eu acho que a maioria dos árabes queria que Jerusalém ficasse uma cidade internacional, com acesso para todo mundo — para judeus, para muçulmanos, para cristãos. E que não seja uma cidade fechada só para Israel ou só para palestinos", explicou o jornalista saudita.
Quanto ao posicionamento acerca do presidente eleito Jair Bolsonaro, o jornalista afirma que, assim como a comunidade judaica, a comunidade árabe também está divida em relação ao presidente, mas que é comum a posição contrária à aproximação com Israel.
"A comunidade árabe no Brasil está bem dividida porque realmente estavam com muito desgosto dos anos e anos que o PT ficou no poder no Brasil e com corrupção. Eles, como muitos outros brasileiros, milhões de brasileiros, veem no Bolsonaro uma mudança boa. Mas quando eles olham para o Bolsonaro e seu apego a Israel e tudo isso eles não veem muito bem não, é uma coisa super negativa", explicou.
Quais as vantagens da aproximação com Israel, segundo a comunidade judaica?
Para o pesquisador Samuel Feldberg, a mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém representa uma aproximação entre os países. Com isso, ele aponta a possibilidade de vantagens para o Brasil, principalmente no setor tecnológico.
"Vantagens existem diversas e elas já vêm sendo refletidas por uma aproximação que aconteceu nos últimos anos. Há uma cooperação enorme entre Brasil e Israel. Israel exporta para o Brasil tecnologias muito avançadas, tanto na área de computação quanto de comunicação, irrigação no nordeste. Agora está se falando em instalar centrais de dessalinização de água para ajudar a resolver os problemas de falta de água potável em diversas regiões", lembrou Feldberg.
Números divulgados pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, mostram que, até outubro de 2018, o Brasil manteve uma balança comercial negativa com Israel. Isso significa que o Brasil mais comprou do que vendeu a Israel no período. A diferença entre exportações e importações entre os dois países no período foi de US$ 647,4 milhões em déficit para o Brasil.
Brasil e Israel, no entanto, têm um acordo de livre comércio em funcionamento desde 2010, o que mostra que os países já mantinham uma aproximação econômica e comercial, como aponta o pesquisador Samuel Feldberg.
Ele ressalta que apesar da cooperação, é preciso notar que a medida é também uma forma de aproximação com os Estados Unidos e uma mudança "generalizada dos rumos da política externa" do Brasil.
"Essa cooperação [com Israel] vem acontecendo há muito tempo e só vai ser reforçada pela presidência de Bolsonaro. E isso traz também um alinhamento com os Estados Unidos, que se apresentou desde o governo Trump como a grande potência muito mais próxima de Israel do que era no governo Obama. Então, a aproximação de Israel não pode ser vista em um microcosmo, mas sim como parte de uma mudança mais generalizada dos rumos da política externa brasileira".
Quais são as desvantagens da aproximação com Israel, segundo a comunidade árabe?
Uma das principais preocupações que a mudança da embaixada brasileira representa é a possibilidade de uma retaliação econômica por parte dos países árabes. No dia 5 de novembro, após o anúncio da mudança da embaixada por Bolsonaro, o Egito cancelou uma visita de uma comitiva brasileira com empresários e diplomatas. Como parte da visita, o chanceler brasileiro, Aloysio Nunes, tinha um encontro marcado com o presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, que também foi cancelado. A atitude foi entendida como uma possível retaliação ao Brasil devido ao anúncio de mudança da embaixada brasileira em Israel.
"Os países árabes realmente são os maiores importadores do mundo de carne de frango e carne bovina vinda do Brasil. Por exemplo, a Arábia Saudita é o país que mais compra frango brasileiro no mundo. E tem o Egito, tem os Emirados Árabes e tem o Irã, que não é um país árabe, mas é um país islâmico, também um grande comprador de carne brasileira", afirma o jornalista saudita Rasheed Abou-Alsamh.
O Egito é o maior comprador de produtos brasileiros dentro da Liga Árabe e compra 20% de tudo que o Brasil exporta para os 22 países da Liga. A organização tem entre seus membros praticamente todos os países vizinhos de Israel. Essa relação de trocas garante ao Brasil um superávit comercial de US$ 3,1 bilhões.
Apesar do temor de um possível embargo dos países da Liga em relação ao Brasil, caso a medida se concretize, o jornalista Rasheed Abou-Alsamh acredita que a possibilidade é remota. Para ele, a resposta árabe vai depender das atitudes seguintes da política externa brasileira, mas lembra que já houve embargos no passado envolvendo Israel.
"Há precedentes sim. Isso foi nos anos 1960 e 1970 quando eles fizeram boicote a produtos israelenses e a empresas que tinham negócios com Israel. Por exemplo, eles boicotaram a Coca-Cola por décadas e décadas. Você ia para um país árabe e não tinha Coca-Cola, só tinha Pepsi, porque a Coca-Cola tinha uma fábrica em Israel. Também não tinha carros fabricados pela Ford, pela mesma razão. Mas hoje em dia isso diminuiu muito".
No entanto, o jornalista ressalta que existem chances de que as empresas brasileiras percam negócios com a postura do Brasil.
"Eu não acho que eles iriam fazer um boicote assim tão radical. Mas se eles ficarem bastante aborrecidos se o Brasil realmente optar mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém eles podem optar por achar outros fornecedores de outros países para substituir os produtos brasileiros. E aí que vai pesar no bolso das empresas brasileiras", disse o jornalista.
O que esperam árabes e judeus como consequência da mudança da embaixada?
O pesquisador de Relações Internacionais, Samuel Feldberg, acredita que a postura brasileira pode ser seguida por outros países da América do Sul. Ele aponta que a influência brasileira sobre os países vizinhos é importante e será um apoio de peso para Israel.
"O Brasil é um país importante na nossa região. Quando o país reconheceu a Palestina como Estado — se não me engano, foi em 2010 — na esteira do reconhecimento brasileiro vieram praticamente todos os países sul americanos. Então, eventualmente uma aproximação com Israel, esse movimento da mudança da embaixada pode eventualmente levar uma série de outros países latino americanos a emularem a ação brasileira", ressalta Feldberg.
Já em relação aos árabes, o jornalista saudita Rasheed Abou-Alsamh acredita que a mudança da embaixada não significará de imediato uma ruptura nas relações brasileiras com os países árabes. Para ele, a reação árabe será conhecida principalmente após a entrada de Bolsonaro no Palácio do Planalto, mas há indícios negativos, do ponto de vista árabe, para o futuro da diplomacia brasileira.
"O presidente eleito Jair Bolsonaro já indicou muito claramente que vai apoiar ainda mais Israel na ONU e outros fóruns internacionais e que ele vai também apoiar os Estados Unidos com a administração de Donald Trump. Então isso é muito preocupante para os países árabes".
Sputnik News
DeOlhOnafigueira
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