Rui Luiz Rodrigues
Imagem do filme iraniano: A Separação |
Entre as muitas
reflexões que o belo filme A Separação, dirigido pelo iraniano Asghar
Farhadi (Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2012), despertou em mim,
uma tem a ver com a maneira pela qual as culturas islâmicas foram
permeadas pela noção de “pecado”.
Já se falou e escreveu muito sobre o
que representou, para essas sociedades, não terem se beneficiado do
fermento crítico da Ilustração (São Voltaire, rogai por todos nós!).
Opinião muito eurocêntrica, de fato, e ainda ancorada na ideia antiga e
errônea de que os desenvolvimentos da civilização ocidental teriam sido
“padrão” e que todas as demais culturas deveriam experimentar seus
desdobramentos.
Obviamente, não concordo com essa ênfase; mas, como
ocidental que sou, não posso deixar de respirar aliviado por ver que, em
nossa civilização, os encaminhamentos da história nos conduziram a uma
profunda (e benéfica) relativização desse conceito religioso.
O elemento
religioso é apresentado no filme com extrema sutileza, como convém a um
diretor que trabalha sob as condições específicas de um país onde a voz
dos aiatolás é decisiva; não há, portanto, nenhuma crítica direta – mas o
expectador atento pode, sem dúvida, lê-la “nas entrelinhas”. No Irã, a
religião exerce um peso asfixiante sobre o tecido social.
Boa parte do
drama gira em torno do temor que uma das personagens tem de ser
“castigada” por fazer algo “pecaminoso”. Para questões cotidianas, ela
chega a telefonar a um tipo de aconselhamento especializado em dizer se
tal coisa é ou não pecado; a presença dessa casuística mostra como a
noção é, naquele contexto, uma construção socialmente densa. (Situação
análoga, aliás, à vivida pelo Ocidente a partir da segunda metade do
século XVI, quando a ênfase no confessionário – e o trabalho dos
jesuítas – geraram toda uma casuística quanto ao “pecado” e um
pastoralismo bastante policialesco.)
“Eu tenho medo
de que algo aconteça com nossa filha, se eu fizer isso ou aquilo” – é
como a personagem do filme expressa, em dado momento, o seu temor. O que
não é afirmado, mas se subentende, é o mais grave e triste: o temor
dessa fiel que não sai à rua sem seu xador é que Alá mate sua filha (com
uma dessas doenças graves que roubam a infância, por exemplo) como
represália pelo pecado da mãe.
Como cristão
que sou, não posso negar que muitos irmãos de fé relacionam-se com Deus
dentro da mesma lógica sombria. Muitos anos atrás li um relato onde um
seminarista norte-americano, desesperado, atribuía o tumor cerebral de
seu filho de cinco anos ao fato de que ele, pai, era viciado em
pornografia. “Deus me puniu”, dizia o pai.
Minha
perplexidade talvez seja também a sua: como pode alguém crer que Deus, o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo; o Deus que aparece
representado, numa das mais conhecidas parábolas de Jesus, como um pai
sempre à espera do retorno de seu filho perdido; como pode alguém crer
que esse Deus seja capaz de semelhantes atos? Como pode alguém ter tão
distorcida em si a imagem de Deus a ponto de enxergá-lo dessa forma?
Ontem perdi a
paciência no Facebook. Alguém postou um desenho infeliz (um “dedo
divino” tocando a proa do navio Titanic para fazê-lo afundar) cuja
legenda dizia mais ou menos: “É o que acontece com quem zomba de Deus”.
Já se falou demais sobre a tal frase, presumidamente dita por ocasião da
viagem inaugural do Titanic (“Nem Deus afunda este navio!”). Não sei se
essa frase é autêntica; mas sei que tem gente que realmente acredita
que o desastre do Titanic, onde centenas de vidas inocentes se perderam,
teria sido represália divina por sua “honra” maculada.
Como pode um
cristão crer num “deus” orgulhoso, violento e cruel, capaz de tais
ações? Como podem as pessoas deixar de perceber que um “deus” que agisse
assim agiria contra a própria essência da mensagem do evangelho?
Na fé cristã,
felizmente, o peso da noção de “pecado” já foi bem relativizado. Sei que
ainda há muitos que, infelizmente, ainda vivem e sentem essa noção na
mesma lógica da fiel iraniana do filme. Ainda precisamos crescer muito
na compreensão de que o evangelho é libertação, não escravidão; e que
Deus, o verdadeiro Deus que se revelou em Jesus Cristo, não coloca
tumores na cabeça de crianças para punir as escorregadelas de seus pais.
Conheço pouco a
teologia islâmica. Mas creio que, se ainda não começou a experimentar,
essa fé irá provar algo como a redescoberta de que “Alá é
misericordioso!”; um movimento que, brotando de dentro dessa religião
milenar, ajude seus fiéis a perceberem Deus de forma mais humana. Não
acredito que o Islã deva ser esticado no leito de Procusto da
Ilustração, mas desejo, de todo o coração, que movimentos dessa natureza
tornem-no mais afável e acolhedor. Foi o que aconteceu, e ainda está
acontecendo, com nossa própria fé cristã; pelo que fico profundamente
grato.
Genizah
A frase esta escrita assim OLHA O QUE ACONTECE COM HOMEM QUE BRINCAR COM DEUS... CUIDADO!! COM DEUS NÃO SE BRINCAR... o cara que crio esse navio falou que nem Deus tinha pode para afunda o seu navio... então ele brincar com Deus... porque Deus dáá e Deus mesmo tirar...
ResponderExcluirNão foi Deus que afundou o Titanic mas sim o orgulho do homem e a sua arrogância.
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