O assunto
carro-chefe da reforma foi, sem dúvida, a justificação pela fé. Os
reformadores se aperceberam que a igreja havia se tornado porta-voz da
‘justiça própria’, que é a tentativa do homem de alcançar a salvação por
seus próprios méritos.
Tal pensamento resultou na cobrança de indulgências daqueles que almejavam alcançar a salvação.
Os reformadores
deveras travaram uma luta hercúlea para resgatar uma das mais
importantes doutrinas bíblicas. Suas cabeças foram postas a prêmio, sua
reputação lançadas na lama, pelo simples fato de denunciarem os desvios
doutrinários apregoados pela sé romana, desmontando assim seu esquema
arrecadador.
A graça foi
redescoberta. As superstições foram abandonadas. A soberania de Deus
destronou a suposta autonomia humana. A arrogância humana definhou.
A justiça própria foi exposta como um trapo de imundície incapaz de estancar nossa hemorragia existencial.
Enfim, a
reforma desferiu um golpe certeiro na religiosidade medieval. Conquanto
este golpe tenha atingido em cheio o tronco da árvore, deixou intacta a
sua raiz, possibilitando-a brotar novamente mais tarde. E de fato,
brotou.
Se Lutero
pudesse ver em que pé a igreja evangélica chegou, acho que coraria de
vergonha. Muito daquilo que Lutero condenava na Igreja Católica de seus
dias, tem sido largamente praticado pela igreja advinda de seu
movimento, mas numa escala industrial. Sacrifícios, romarias, idolatria,
fetiches, são apenas alguns dos sintomas apresentados por uma igreja
adoecida e moribunda.
Por que a coisa
chegou a este ponto? Seria culpa dos reformadores? Não. O problema é
que eles combateram os sintomas, e não a verdadeira doença.
A doutrina da Justificação pela Fé estanca a hemorragia provocada pelo pecado, mas não cura a anemia.
Sem embargo, é importante combater a justiça própria, pois ela nada mais é do que um placebo, um me-engana-que-eu-gosto,
ou quando muito, um trapo de imundície (o equivalente ao absorvente
feminino). Contem o sangramento, mas não o estanca. É claro que é
importante estancar a hemorragia, em vez de tentar contê-la com boas
obras. Mas acima de tudo, é importante restaurar a saúde espiritual do
ser humano. E pra isso, tem-se que combater o pecado.
Ora, o termo
“pecado” significa “errar o alvo”. Qual o alvo original estabelecido por
Deus à criatura humana? Essa resposta pode ser encontrada nos dois
principais mandamentos de Deus.
...Amarás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o
teu entendimento. Este é o primeiro e grande mandamento. O segundo,
semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois
mandamentos depende toda a lei e os profetas” (Mt.22:37-40).
Eis o alvo de
nossa existência! Fomos feitos para o amor. E o alvo deste amor é Deus,
e, por conseguinte, nossos semelhantes. Porém, ao cair, o homem
desvirtuou-se do alvo, elegendo um novo alvo: seu próprio eu.
Quem disse que
Deus ordenou que o homem amasse a si mesmo? O amor próprio é a essência
do pecado. É o próprio pecado. Deus jamais nos ordenaria que pecássemos.
Ao dizer que deveríamos amar a nosso próximo como a nós mesmos, ele não
está endossando o amor próprio, mas condenando-o. Com efeito, Ele
disse: O amor que vocês nutrem por si mesmos, devem dedicar aos outros
em vez de a si. O “amor próprio” aqui entra apenas como um referencial, e
não como algo louvável e que deva ser estimulado.
O amor próprio,
também chamado “auto-estima”, tornou-se na mensagem central de muitos
púlpitos em nossos dias. A Teologia da Prosperidade é sua filha caçula.
Todos os desvios doutrinários começam nele.
Por isso,
acredito que uma reforma nos moldes da que aconteceu no século XVI não
seria suficiente. Seria como tentar colocar vinho novo em odres podres.
Precisamos de muito mais do que uma reforma. Precisamos de uma
REVOLUÇÃO.
E esta
revolução acontecerá quando redescobrirmos a mensagem central de Jesus: o
AMOR. O amor que se volta inteiramente para fora de nós mesmos.
Quando a igreja
cristã redescobrir o amor, e nele for batizada, ela deixará de existir
para si mesma, a passará a existir em função dos que estão do lado de
fora. Em vez de ficar buscando reformar-se mais uma vez, a igreja deve
voltar sua atenção para o mundo, e trabalhar pela sua restauração.
Uma restauração
que não acontecerá por impormos nossos pontos de vista, mas por
lançarmos olhares compassivos para os necessitados e aflitos. Uma
restauração/revolução que acontecerá quando, em vez de dedos a riste, o
mundo encontrar em nós mãos estendidas.
Não precisamos de novas teses, e sim de uma nova práxis, fundamentada na verdade e no amor, fonte de toda graça.
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