Séculos depois da Inquisição e da conversão forçada dos cristãos-novos, nordestinos buscam suas raízes
O som do chifre de carneiro, o shofar, pontua, na Sinagoga Israelita do
Recife, o rito dos bnei anussim – como são chamados os descendentes dos
judeus convertidos ao cristianismo na Espanha e em Portugal nos séculos
15 e 16.
Foto de Felipe Goifman
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A terra seca do agreste já não vê água há anos. Quando chove um pouco, verdeja, os pássaros cantam, as árvores revivem e, como por um milagre, o judaísmo também renasce nas vozes comovidas dos presentes, com toda a força ancestral. Na maior parte das vezes, os bnei anussim aprendem sozinhos o significado das palavras e das rezas hebraicas, com o auxílio da internet, e têm uma vida judaica tão profunda e verdadeira quanto muitos dos judeus dos centros urbanos. No entanto, vivem aprisionados entre dois mundos. O seu direito de retorno ao judaísmo está sendo discutido no Knesset, o Parlamento israelense.
Hoje, não só no Nordeste, um grande número de pessoas espalhadas pelo Brasil está se reintegrando ao judaísmo pela ancestralidade, pela genética, por tradições culturais ou simplesmente porque gosta da cultura judaica. “O significado maior do judaísmo é, ou pelo menos deveria ser, a justiça social”, conta o rabino Gilberto “Moré” Venturas, um dos maiores defensores da causa dos bnei anussim no Brasil. Para fortalecer o movimento de “retorno”, o rabino organiza todos os anos em Recife a Festa de Purim.
Pelo menos 200 bnei anussim se reúnem na Rua dos Judeus, no Centro da capital pernambucana, para escutar a leitura da Meguilat Esther, o livro de Ester, ponto principal do Carnaval judaico, quando se festeja a libertação dos judeus da Pérsia. Depois da leitura, vem a festa, com muita dança e alegria, em frente à Sinagoga Kahal Zur Israel. Em alguns anos, Purim coincide com o Carnaval de Recife.
Após tanto tempo de afastamento, os motivos para o reencontro com o judaísmo envolvem sempre a forte religiosidade nordestina. Muitos bnei anussim tinham outras religiões e buscam agora a origem dos seus sobrenomes, pesquisando árvores genealógicas em documentos da Inquisição.
Samuel Benoliel, presidente do Confarad, Conselho Sefaradita do Brasil, aponta para a angústia que todos sentem quando, ao tentar retornar ao judaísmo, esbarram em barreiras burocráticas e afetivas. Uma conversão coletiva organizada meses atrás em Recife pelo rabino Moré Venturas serviu para demarcar a face quase política desse movimento de retorno de muitos descendentes dos antigos sefaraditas – que, dizem eles, sempre guardaram a sua mítica “chave de casa”.
National Geographic Brasil
DeOlhOnafigueira
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